A emancipação da mulher <br>e a Revolução de Outubro

Fernanda Mateus

«Só na so­ci­e­dade so­ci­a­lista as mu­lheres, como os tra­ba­lha­dores, to­marão parte plena dos seus di­reitos.»

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1. As­si­nalou-se, ontem, o Dia In­ter­na­ci­onal da Mu­lher, cuja origem re­monta a 1910, por pro­posta de Clara Zetkin, na 2.ª Con­fe­rência In­ter­na­ci­onal de Mu­lheres (Co­pe­nhaga). As ra­zões que le­varam à pro­cla­mação do Dia In­ter­na­ci­onal da Mu­lher Tra­ba­lha­dora têm na sua gé­nese uma li­gação pro­funda à luta das tra­ba­lha­doras por di­reitos po­lí­ticos e cí­vicos, contra as duras con­di­ções de vida e de tra­balho que lhes eram im­postas pelo de­sen­vol­vi­mento do sis­tema ca­pi­ta­lista du­rante o sé­culo XIX e o prin­cípio do sé­culo XX, as­sente na ex­plo­ração sem pre­ce­dentes do ope­ra­riado in­dus­trial.

Clara Zetkin foi uma des­ta­cada ac­ti­vista da luta das mu­lheres pela sua eman­ci­pação so­cial, num pe­ríodo mar­cado, por um lado, pela en­trada do ca­pi­ta­lismo na sua fase im­pe­ri­a­lista e pela bru­ta­li­dade da Pri­meira Grande Guerra (1914- 1918) e, por outro, por um acon­te­ci­mento mun­di­al­mente mar­cante, a Re­vo­lução So­ci­a­lista de Ou­tubro de 1917.

Clara Zetkin con­tri­buiu para a aná­lise da si­tu­ação de su­bal­ter­ni­zação das mu­lheres na época em que viveu, de­nun­ci­ando a na­tu­reza in­trin­se­ca­mente ex­plo­ra­dora do sis­tema ca­pi­ta­lista e a sua im­pos­si­bi­li­dade de con­cre­tizar os di­reitos das mu­lheres e apon­tando cla­ra­mente para a ne­ces­si­dade da sua su­pe­ração: «A eman­ci­pação da mu­lher, como de todo o gé­nero hu­mano, só se tor­nará re­a­li­dade no dia em que o tra­balho se eman­cipar do ca­pital. Só na so­ci­e­dade so­ci­a­lista as mu­lheres, como os tra­ba­lha­dores, to­marão parte plena dos seus di­reitos.»

Foi por isso uma en­tu­siás­tica de­fen­sora da Re­vo­lução de Ou­tubro e legou-nos as suas «Re­cor­da­ções sobre Lé­nine», re­sul­tantes das di­versas con­versas que com ele teve, de­sig­na­da­mente em 1920.

O Dia In­ter­na­ci­onal da Mu­lher é ce­le­brado pela pri­meira vez na Rússia em 1913, di­na­mi­zado pelo Par­tido Bol­che­vique. As ope­rá­rias russas ma­ni­fes­taram-se a 8 de Março de 1917 exi­gindo pão, o re­gresso dos ma­ridos en­vi­ados para a frente de guerra, a paz e a Re­pú­blica. As mu­lheres con­tri­buíram a vi­tória da Re­vo­lução de Ou­tubro tendo Lé­nine des­ta­cado que «sem elas não te­ríamos triun­fado».

 

2. O pri­meiro Es­tado So­ci­a­lista do mundo re­co­nhece o di­reito de voto das mu­lheres, que fazia parte das rei­vin­di­ca­ções do Par­tido Bol­che­vique, sendo o pri­meiro Es­tado do mundo a ga­rantir-lhes o di­reito de eleger e serem eleitas e di­na­miza a sua par­ti­ci­pação cí­vica e po­lí­tica. A pri­meira Cons­ti­tuição da Fe­de­ração So­vié­tica da Re­pú­blica So­ci­a­lista da Rússia, de 10 de Julho de 1918, con­sagra o di­reito de voto de todos os ci­da­dãos.

Foi pro­mo­vida a par­ti­ci­pação das mu­lheres no mundo do tra­balho e foram abo­lidas todas as dis­cri­mi­na­ções, eli­mi­nadas todas as leis que dis­cri­mi­navam as mu­lheres na fa­mília e na so­ci­e­dade. Foi di­na­mi­zada uma ampla rede de equi­pa­mentos de apoio à cri­ança e à fa­mília (cre­ches e jar­dins de in­fância). Os cui­dados mé­dicos foram ali­cer­çados no plano pre­ven­tivo e cu­ra­tivo para cada homem, mu­lher e cri­ança.

São pro­mo­vidos os di­reitos se­xuais e re­pro­du­tivos das mu­lheres nos ser­viços de saúde. A con­tra­cepção passa a ser en­ca­rada com enorme im­por­tância. É di­na­mi­zada a in­ves­ti­gação e a in­for­mação. É im­pul­si­o­nada a saúde ma­terno-in­fantil. Foi dada pri­o­ri­dade à edu­cação.

A pri­meira mu­lher mi­nistra no mundo foi Ale­xandra Ko­lontai, que em 1917 as­sumia o cargo de mi­nistra dos As­suntos So­ciais. A pri­meira cos­mo­nauta do mundo foi Va­len­tina Te­res­kova, que ini­ciou a sua ac­ti­vi­dade numa em­presa têxtil.

O di­reito ao uso da terra é con­ce­dido a todos os ci­da­dãos, sem dis­tinção de sexos (8 de No­vembro de 1917). É con­sa­grado o má­ximo de 8 horas de tra­balho diário para todos os tra­ba­lha­dores, pre­vendo as in­ter­rup­ções para des­canso e re­fei­ções, fi­xando os dias de des­canso se­manal e o di­reito a fé­rias re­mu­ne­radas, in­ter­di­tando o tra­balho a me­nores de 14 anos e es­ta­be­le­cendo que os jo­vens até aos 18 anos não po­diam tra­ba­lhar mais de 6 horas por dia (11 No­vembro de 1917).

Todos os as­sa­la­ri­ados passam a ter di­reito à se­gu­rança so­cial.

O ca­sa­mento civil passa a ser o único re­co­nhe­cido por lei, o di­vórcio é le­ga­li­zado e acaba a dis­tinção entre fi­lhos le­gí­timos e ile­gí­timos (31 de De­zembro 1917).

Foram con­sa­grados o prin­cípio do sa­lário igual para o tra­balho igual; fé­rias anuais, com um mês de du­ração; li­cença de ma­ter­ni­dade com di­reito à re­mu­ne­ração in­te­gral; proi­bição de des­pe­di­mentos das mu­lheres grá­vidas; abo­lição das res­tri­ções de acesso das mu­lheres a di­versas pro­fis­sões; e as­se­gu­rados di­reitos de ma­ter­ni­dade às tra­ba­lha­doras (De­zembro 1918).

O aborto foi des­pe­na­li­zado por de­creto de 18 de No­vembro de 1920. Logo após a Re­vo­lução de Ou­tubro a pros­ti­tuição deixou de ser pe­na­li­zada, sendo-o apenas o ne­gócio em termos da sua ex­plo­ração.

Em 1919, de­cor­ridos apenas dois anos, Lé­nine afir­mava: o poder so­vié­tico, num dos países mais atra­sados da Eu­ropa, fez mais pela li­ber­tação da mu­lher e para a sua igual­dade com o sexo «forte» do que fi­zeram du­rante 130 anos todas as re­pú­blicas pro­gres­sistas, cultas e «de­mo­crá­ticas» do mundo so­madas em con­junto.

No ano em que se as­si­nala os 100 anos da Re­vo­lução de Ou­tubro é pre­ciso afirmar bem alto que o ca­pi­ta­lismo não é o fim da His­tória e que a ac­tu­a­li­dade da luta pela eman­ci­pação das mu­lheres con­tinua in­dis­so­lu­vel­mente li­gada à luta pelo so­ci­a­lismo.

 

Fontes:

Ma­nuela Pires, A Re­vo­lução e os di­reitos da mulher, Vér­tice, No­vembro/​De­zembro 2007

Cen­te­nário da pro­cla­mação do Dia In­ter­na­ci­onal da Mu­lher, Dos­sier de Apoio PCP



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